sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Carta à minha mãe".




Mãe, quando eu comecei a escrever esta carta,
usei a pena do carinho, molhada na tinta rubra do coração ferido pela saudade.

As notícias, arrumadas como pérolas em um fio precioso, começaram a saltar de lugar, atropelando o ritmo das minhas lembranças.

Vi-me criança orientada pela sua paciência.
As suas mãos seguras, que me ajudaram a caminhar.

E todas as recordações,
como um caleidoscópio mental,
umedeceram com as lágrimas
que verteram dos meus olhos tristes.

Assumiu forma, no pensamento voador,
a irmã que implicava comigo.

Quantas teimas com ela.
Pelo mesmo brinquedo,
pelo lugar na balança.

Parece-me ouvir o riso dela,
infantil, estridente.
E você, lecionando calma,
tolerância.

Na hora do lanche, para a lição da honestidade,
você dava a faca ora a um,
ora a outro, para repartir o pão e o bolo.

Quantas vezes seu olhar me alcançou,
dizendo-me, sem palavras,
da fatia em excesso por mim escolhida.

As lições da escola,
feitas sob sua supervisão,
as idas ao cinema, a pipoca, o refri.

Quantas lembranças, mãe querida!

Dos dias da adolescência,
do desejar alçar vôos
de liberdade antes
de ter asas emplumadas.

Dos dias da juventude que idealizavam anseios muito além do que você, lutadora solitária, poderia me oferecer.

Lágrimas de frustração que você enxugou.
Lágrimas de dor,
de mágoa que você limpou,
alisando-me as faces.

Quantas vezes ouço sua voz repetindo,
uma vez mais:

Tudo tem seu tempo,
sua hora!
Aguarde!
Treine paciência!

E de outras vezes:

Cada dia é oportunidade diferente.
Tudo que você tem
é dádiva de Deus,
que não deve desprezar.

A migalha que você despreza
pode ser riqueza em prato alheio.
O dia que você perde na ociosidade
é tesouro jogado fora, que não retorna.

Lições e lições.

A casa formosa,
entre os tamarindeiros
assomou na minha emoção.

Voltei aos caminhos percorridos
para invadi-la novamente,
como se eu fosse
alguém expulso do paraíso,
retornando de repente.

Mãe, chegou um momento
em que a carta
me penetrou de tal forma,
que eu já não sabia se a escrevera.

E porque ela falava
no meu coração dorido,
voei, vencendo a distância.

E vim,
eu mesmo,
a fim de que você veja
e ouça as notícias vibrando em mim.

Mãe, aqui estou.
Eu sou a carta viva
que ia escrever e remeter a você.

* * *

Entre as quadras da vida
e as atividades que o Mundo o envolve,
reserve um tempo
para essa especial criatura
chamada mãe.

Não a esqueça.
Escreva, telefone,
mande uma flor, um mimo.

Pense quantas vezes,
em sua vida,
ela o surpreendeu dessa forma.

E não deixe de abraçá-la,
acarinhá-la, confortar-lhe o coração.

Você, com certeza,
será sempre para ela,
o melhor e mais caro presente.


* * *


“Não viva para que sua presença seja notada...

mas sim para que sua falta seja sentida”.

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